Sobre o LAPA

O LAPA (Laboratório de Estudos e Práticas da Autogestão), muito modestamente, se propõe como um pequeno círculo de amigo(a)s e camaradas que possuem vínculos, afinidades, afetos e interesses em comum em torno do tema da auto-organização popular, talvez, como uma via possível para a emancipação de todos os subalternos e trabalhadores. Assim, é uma aposta simultânea na amizade e na revolução.

Por hora, o LAPA não se constitui como um coletivo, uma entidade ou uma organização, ainda que em potecial possa vir a ser isso ou outras coisas que nem sequer imaginamos. Como círculo, temos vínculos que nos unem para além do espaço que nos separa. Os estudos e ações que compartilharemos como círculo pode inclusive dar fôlego e alento para a formação e/ou consolidação de iniciativas coletivas e/ou individuais, nos mais distintos lugares onde nos situamos como vizinhos, estudantes, trabalhadores, etc.

A idéia de Laboratório, até agora sugerida, nasce como uma metáfora que se orienta pela dimensão experimentalista que carrega todo laboratório – e isso nos interessa particularmente, experimentar idéias e práticas, aprender e se apropriar do melhor dos processos políticos e sociais dos mais diversos movimentos de liberação que se levantaram contra todas as ordens e esquemas de dominação (inclusive os de esquerda). E mais: nosso laboratório é de bolso, se materializa e desmaterializa segundo determinadas condições ambientais e temperamentais, e talvez seremos muito mais tomados e possuídos pelas experiências do que a dissecaremos e a controlaremos, ao contrário do que ocorre com os homens-de-guarda-pó.

E se nos lançaremos a estudar e praticar a autogestão é porque ela todavia nos parece ser a melhor forma encontrada pelos dominados até hoje para que a terra, os meios de produção, o trabalho e a política (com ou sem o Estado) não se converta em monopólio e privilégio de uns poucos, e logo, instrumento de dominação, opressão e submissão de classe, casta, grupos ou camarilhas. E para isso é importante que nos alimentemos das teorias e narrativas que fundaram a autogestão como um princípio político, e que transcende, aliás, muitos projetos políticos ou ideologias (como o anarquismo e o comunismo); e ao mesmo tempo buscar compreender os caminhos e as vicissitudes das experiências de autogestão que tiveram curso, especialmente, na história moderna.



sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

5 X Pacificação

Por: Fabiana Melo Sousa

Eu só quero é ser feliz,
andar tranquilamente na favela onde eu nasci;
E poder me orgulhar,
e ter a consciência que o pobre tem seu lugar

(Rap da Felicidade, Cidinho e Doca).





O documentário “5 X Pacificação”, que estreou em novembro de 2012, retrata este processo de mudanças que foi alvo de muita discussão para a população carioca neste ano, mas que teve seu início em 2008 no Morro Santa Marta, Zona Sul da Cidade, que é o processo de instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs.

A “paz” é algo reclamado pelos moradores destes territórios há muito tempo, como chama atenção o “Rap da Felicidade”, hino das favelas cariocas que nos 90 clamava a liberdade para esta parte da população que estava invisível nos cartões postais da Cidade Maravilhosa e que se tornava visível apenas em situações de violência. A grande chamada para o documentário diz respeito ao fato dos quatro diretores serem moradores de algumas destas favelas “pacificadas” apresentando o ponto de vista dos principais personagens deste processo.



Sem dúvida, a busca da auto representação está mais uma vez em pauta desde o lançamento do longa “5 x Favela: agora por nós mesmos”, que trouxe na direção e na equipe técnica moradores das favelas trabalhando no projeto em cinco curtas de ficção sobre diversos temas.

Agora, neste documentário, são apresentados os discursos de algumas instâncias que estão no “olho do furacão” do projeto de “pacificação”.
A visão dos moradores do “asfalto” e dos moradores dos “morros” (o primeiro dirigido por Wagner Novais e o segundo por Cadu Barcellos) traz para discussão o conceito de “cidade partida” que estabelece diferenças e distancias entre a vida na favela e no restante da cidade.

O estigma da violência e o preconceito sobre o pobre ainda são fortes e presentes na cidade, no entanto, as relações econômicas colocam em dúvida se existem tantas distancias. Ou mesmo na questão cultural trazida na fala de Mc Leonardo, questionando a proibição dos bailes funks que desde a ocupação estão proibidos de acontecer nas favelas. “Na Lapa toca a mesma música que toca na favela e o baile vai até de manhã, porque só aqui é proibido?”.

Do outro lado, a perspectiva da polícia e dos bandidos (Rodrigo Felha e Luciano Vidigal): como atuar diante de uma polícia historicamente violenta? Como inserir na sociedade ex-trabalhadores do tráfico, agora sem perspectiva de vida?

Programas de empregabilidade de ONGs como o Afroreggae são apresentados como possíveis experiências bem sucedidas de inclusão dos ex-bandidos na sociedade através do mercado de trabalho, assim como são mostradas cenas de preparação dos políciais que trabalham nas UPPs, apontados como “uma nova polícia” por José Mariano Beltrame, secretário de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

O filme, no entanto, não se propõe a responder a pergunta principal: a pacificação vai funcionar? Segundo o cineasta Cadu Barcellos, na pré-estréia do filme no Complexo da Maré em outro de 2012, “estamos vivendo um momento de revolução e nós que estamos nele não conseguimos perceber direito o que está acontecendo”.

De fato, o documentário deixa claro que este processo ainda está em fase de execução, mas talvez seja esta implementação que deve efetivamente começar a se diferenciar de qualquer outro projeto de politica pública, pois até agora muitos moradores de favela continuam a reclamar que a polícia entrou mas a cidadania ainda está longe de ser alcançada.



E isto fica evidente nos movimentos que estão acontecendo nestes territórios já ocupados: no início deste mês, moradores do Vidigal (favela localizada na Zona Sul do Rio) protestaram contra a instalação da base da UPP em uma praça de esportes e no Morro do Borel (Zona Norte do Rio), moradores organizaram o movimento “Ocupa Borel” que se colocou contra o toque de recolher às 21h, imposto pela polícia “pacificadora”. Na Maré e no Santa Marta movimentos sociais organizados distribuíram antes da “pacificação” cartilhas sobre as regras de uma abordagem polícial.

Andando pela favela Nova Brasília no último dia 26.12.2012 a falta de saneamento básico ainda é uma triste realidade, embora seja bastante presente a recente entrada de novas atividades comerciais como as agências bancárias.

A sessão do filme aqui comentado, anunciada para as 13h do Cine Nova Brasília não aconteceu sem que tivesse um aviso prévio e o espaço estava fechado, embora oficialmente estive anunciada a sessão e na porta poucos, mas algum público, estava ali para assistir.

A segurança pública é um direito de toda a população e ela é um desejo de todo morador carioca, mas tanto o filme quanto a realidade que ele representa devem ser alvo de atenção e criticas de todos para que o discurso oficial da retomada do território para devolução aos seus moradores seja superado em palavras e transformado imediatamente em realidade.

E neste sentido não há outro caminho que não seja o diálogo e a efetivação da cidadania em que todas as vozes sejam escutadas com atenção – espaços e mecanismos efetivos de fala da sociedade, mas também de escuta para a transformação destes cenários de pobreza e de vidas que foram construídas a base de muita luta.
A arte, mais uma vez, se mostra como uma importante instância de registro de um momento de mudanças como também enquanto dispositivo para reflexões sobre questões e temas que estão em nossas vidas, mas que muitas vezes não conseguimos perceber.

É necessário, portanto, ter clareza para que não sejam repetidos processos de silenciamentos disfarçados de oportunidades de fala. Como diz a canção “Minha alma” de Marcelo Yuka, “Paz sem voz não é paz, é medo”.