Sobre o LAPA

O LAPA (Laboratório de Estudos e Práticas da Autogestão), muito modestamente, se propõe como um pequeno círculo de amigo(a)s e camaradas que possuem vínculos, afinidades, afetos e interesses em comum em torno do tema da auto-organização popular, talvez, como uma via possível para a emancipação de todos os subalternos e trabalhadores. Assim, é uma aposta simultânea na amizade e na revolução.

Por hora, o LAPA não se constitui como um coletivo, uma entidade ou uma organização, ainda que em potecial possa vir a ser isso ou outras coisas que nem sequer imaginamos. Como círculo, temos vínculos que nos unem para além do espaço que nos separa. Os estudos e ações que compartilharemos como círculo pode inclusive dar fôlego e alento para a formação e/ou consolidação de iniciativas coletivas e/ou individuais, nos mais distintos lugares onde nos situamos como vizinhos, estudantes, trabalhadores, etc.

A idéia de Laboratório, até agora sugerida, nasce como uma metáfora que se orienta pela dimensão experimentalista que carrega todo laboratório – e isso nos interessa particularmente, experimentar idéias e práticas, aprender e se apropriar do melhor dos processos políticos e sociais dos mais diversos movimentos de liberação que se levantaram contra todas as ordens e esquemas de dominação (inclusive os de esquerda). E mais: nosso laboratório é de bolso, se materializa e desmaterializa segundo determinadas condições ambientais e temperamentais, e talvez seremos muito mais tomados e possuídos pelas experiências do que a dissecaremos e a controlaremos, ao contrário do que ocorre com os homens-de-guarda-pó.

E se nos lançaremos a estudar e praticar a autogestão é porque ela todavia nos parece ser a melhor forma encontrada pelos dominados até hoje para que a terra, os meios de produção, o trabalho e a política (com ou sem o Estado) não se converta em monopólio e privilégio de uns poucos, e logo, instrumento de dominação, opressão e submissão de classe, casta, grupos ou camarilhas. E para isso é importante que nos alimentemos das teorias e narrativas que fundaram a autogestão como um princípio político, e que transcende, aliás, muitos projetos políticos ou ideologias (como o anarquismo e o comunismo); e ao mesmo tempo buscar compreender os caminhos e as vicissitudes das experiências de autogestão que tiveram curso, especialmente, na história moderna.



terça-feira, 19 de julho de 2011

Mi abuela se fue



Meus caros, isso não é o uso pessoal de um espaço coletivo




sim, uma reflexão individual sobre algo humano




Hoje, minha querida avó materna se foi...




Apesar de não crer na morte, é inevitavel lembrar do tempo em que convivemos




Desde que nasci e todo tempo que passei no hospital, praticamente os 8 primeiros anos de minha vida, essa pessoa viajava horas pra cuidar de mim, me ensinava artes, literatura... sempre me escrevia postais... Nas férias do meio ou final do ano, era em sua casa que ficavamos, brincavamos e cresciamos... como pessoas envolvidas na fraternidade.




Especialmente a avó, por ser mulher... elo forte para sustentar as relações nas mais adversas situações em uma sociedade machista e hipócrita.




Nós temos frontais críticas a forma como se reproduz a família na sociedade capitalista, mas também não negamos as experiencias positivas que podemos tirar como lição em vários momentos de nossa vida.




Uma jovem vinda da cidade de Bias Fortes, interior de Minas Gerais, que por 74 anos esteve casada com meu avô, e nesse tempo nunca parou de trabalhar e viver com dignidade... representa com orgulho a força da mulher na superação de velhos ranços humanos, pautados por pequenesas e ignorancias, mesmo sendo quase iletrada... ela não é uma heroína, nem nunca quis ser... mas certamente contribui fortemente para modificar a visão das relações humanas de todos que a circundavam... inclusive deste que escreve.




Esse episódio ocorre em um momento turbulento da minha vida... acabo de ser pai de uma linda menina... Amélie, ... estou a muito tempo afastado de amigos que tanto gosto do convívio.. e ainda sem poder viver conforme gostaria... mas sempre renovando as forças naquilo que creio.




A imagem de meu avô olhando para seu corpo duro e frio sobre a cama e as várias lembranças das brincadeiras de infancia naquela casa, me fizeram cair em prantos como ha umas noites atras quando fui graciosamente lembrado por amigos que tanto amo...




Para mim, sua vida continua, pois a continuidade da existencia é uma prerrogativa histórica, mas isso é assunto a ser tratado mais pra frente... depois que o calor da emoção passar, e o coração deixar a tristeza de lado.




Um viva, e todos pensamentos e energias positivas a todos seres humanos que contribuem no que podem e como podem para mudar o mundo pela mudança das pessoas...




Obrigado vó Antonia..

sábado, 16 de julho de 2011

Da ignorancia popular e outras ignorancias




Não é necessário ser um especialista em política para entender que em linguagem corrente e popular, conceitos e categorias forjados à luz da sofisticação ideológica e teórica têm peso quase nulo. O que não significa assinar o atestado de ignorância do povo, mas bem o contrário: assinalar o grau de hermetismo muitas vezes assumido sem ressalvas ou cuidados pela academia e os intelectuais. Por outro lado, isso tão pouco significa que o debate popular é vazio e sem densidade, simplesmente por não utilizar, digamos, a gramática sancionada pelos intelectuais, sem prejuízo da presumida potencialidade da mesma.

Uma consequente antropologia do pensamento popular poderia nos dar mostras da profundidade e extensão de muitas concepções e visões de mundo presentes no meio popular, que justamente por ser anti-sistemática e não possuir um certo tipo de vocalização sacerdotal (ou seja, intelectuais promotores), se manifestam sem o tom lumininoso da legitimidade social. Um tipo de trabalho excepcional sobre o tema foi desenvolvido ao longo dos anos 1950 pelo argentino Rodolfo Kusch, e no Brasil pensadores como Guerreiro Ramos e Darcy Ribeiro chegaram a abrir veredas para a produção do que poderíamos chamar de uma verdadeira filosofia popular e descolonizada.

Claro que, em função das mais diversas dinâmicas de estratificação social e econômica que organizaram as mais distintas formas de sociedades conhecidas, culminando em uma tensão interna a praticamente quase todo tipo de vida social que passou a ser nomeado no Ocidente como “antagonismo de classe”, a produção social, econômica, e mais especialmente, cultural de uma época nunca foi homogênea ou representativa da totalidade do corpo social, sendo, na realidade, definida de forma mais ou menos grosseira, mas não menos verdadeira, pelas configurações históricas particulares da correlação “elite-povo”.

Quando remeto a configuração elite-povo basicamente quero indicar duas coisas: primeiro, a existência de um determinado grupo social que devido a certas vantagens/privilégios político-econômicos se apropria do excedente econômico (riqueza) produzido coletivamente. Segundo, a existência de um corpo político separado da sociedade que exerce delegativamente as prerrogativas da soberania popular, e por isso, se estabelece como autoridade política, ou melhor, “profissionais do poder”. A partir das consequências dessas divisões fundamentais, se manifesta essa divisão empírica e conhecida por nós entre elite e povo.
Os intelectuais e os artistas, como um grupo social distinto no interior dessa polarização social, como teria dito certa vez o sociólogo Pierre Bourdieu, estaria representado como “a fração dominada da classe dominante”. O que quer dizer isso? Que a eles cabe realizar a sistematização conceitual e conferir a legitimidade simbólica aos sistemas de pensamentos/valores vigentes como universais, quando na realidade, não passam da universalização de interesses particulares e específicos de setores dos grupos dominantes.

Um exemplo, aproveitando para fazer conexão com um artigo anteriormente publicado nessas páginas. O consumo de automóveis privados. A quem interesse a compra desses artefatos automotivos para uso privado? É possível que todos tenhamos nosso próprio automóvel na garagem, ou que realizemos num mesmo dia e horário um belo passeio de domingo pela praça da cidade? Não. Em oportunidade passada argumentei sobre os perigos sociais e ambientais do consumo de massas dos automóveis privados. E da necessidade de investimento público em formas alternativas e coletivas de transportes. Porque sim, doa a quem doer, o consumo de automóveis privados, convertidos em máximas de liberdade pós-moderna, em suposto fator de conforto e agilidade, interessa às grandes multinacionais que produzem isso a um custo social e ecológico absurdo. E se hoje lotamos as ruas da cidade com eles, é porque existe todo um séquito de lobbistas entre o planalto e o congresso pressionando por mais incentivos fiscais e flexibilização da legislação trabalhista.

Mas o espaço aqui lamentavelmente é curto para desenvolver mais essas idéias. Portanto retomo o fio central desse texto, a tão difundida noção de que o povo é ignorante, seja porque é iletrado, analfabeto, ou mais simplesmente, porque é pobre e pouco urbanizado. Assim, a defesa imediata de uma política massiva de educação da plebe aparece como a mais resoluta das panacéias, defendidas por toda ordem de tecnocratas de plantão (a “elite”, da esquerda à direita). A educação sim, é necessária, mas desarticulada da criação de espaços de participação onde o povo possa criar livremente novas modalidades de produção econômica (para poder trabalhar para si, e não se alienar para outro), e sem sua inserção concreta na vida política, através de mecanismos onde ele possa definir aquelas regras coletivas sobre as quais ele nunca foi mais do que estatística para sofrê-las, será sempre meramente incipiente e cosmética.

O FOGO E A PALAVRA: A UTOPIA ZAPATISTA EM CENA




“Pero nada pueden bombas, donde sobra corazón”
(Ay Carmela! – Canção popularizada durante a Guerra Civil Espanhola, 1936-1939)




Não é muito fácil fugir da imagem generalizada, dentro e fora dos círculos de esquerda, de que os anos 1990 passaram como uma nuvem cinza acobertando nossas cabeças com certo sentimento de derrota. Os processos sociais e políticos que culminaram com a dissolução da URSS e a queda do muro de Berlim apontavam para um horizonte de crise para todo projeto de emancipação social que tivesse como meta a transformação do mundo capitalista.

A esquerda e os movimentos sociais informados pelo marxismo, ou pelo menos a ortodoxia marxista, sofrera um poderoso golpe. E junto a eles, graças ao esforço sistemático dos ideólogos da economia de mercado e das agências de comunicação cartelizadas em desacreditar as “utopias”, atiravam a criança junto com a água suja: sindicatos, movimentos de trabalhadores, exploração, mais-valia, luta de classes, em suma, uma gramática que informava uma dada realidade sócio-histórica fora desacreditada juntamente com toda luta política e social que se erigisse sob ela. Isso explica em parte o sucesso da onda liberalizante furiosa dos anos 90. Pelo menos, o clima fora criado.

Porém, é no mínino estupidificante crer que, como gostariam os arautos da assim chamada “nova ordem econômica mundial”, a crise do socialismo soviético, ou da ortodoxia marxista-leninista, implicasse necessariamente em uma crise de todas as formas de lutas e aspirações de caráter anticapitalista. Entre a miopia ideológica e a ingenuidade estrategicamente insinuada nos deparamos invariavelmente com os inesperados e tortuosos buracos da história, a “velha toupeira”, para aludir a uma metáfora marxiana muito cara à Rosa Luxemburgo. E assim presenciamos, em pleno 1994 neoliberal, o aparecimento público da guerrilha zapatista no México. E ao longo dos anos noventa, sinais de pelo menos outros dez grupos guerrilheiros no país.

Em 1991 o México realizou uma reforma da sua constituição, especialmente em seu artigo 27, que trata da questão fundiária, tendo em vista criar condições jurídicas e institucionais para que os camponeses pudessem vender ou alienar suas terras. Tudo isso no clima de celebração do ingresso do país no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), celebrado juntamente com os EUA e o Canadá. Quem em algum momento teve a oportunidade de ler sobre a história das lutas campesinas no México sabe que naquele país ocorreu uma revolução no princípio do século XX que animou um dos processos mais radicais de reforma agrária do continente americano. Assim, na esteira dessa “tradição” revolucionária e de suas heranças agraristas, em 1º de janeiro de 1994, dia em que formalmente o México passara a fazer parte do TLCAN, dezenas de milhares de camponeses e indígenas organizados em torno do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) deflagraram guerra ao governo federal, levantando-se no estado de Chiapas, sul do país.

O EZLN se constituiu como um grupo guerrilheiro em 1983, alimentado pelo marxismo-leninismo e pelo maoísmo, se organizando entre populações indígenas e camponesas em torno do objetivo da revolução socialista no México. O levante armado de 1994 durou apenas alguns dias. Em pouco tempo a sociedade civil mexicana manifestou-se contra a guerra e pressionou o governo a dialogar com o grupo insurrecto. Assim começava a longa jornada do grupo guerrilheiro, que em pouco tempo se converteu em uma das forças políticas radicais mais criativas e visíveis do mundo. O EZLN revelou-se habilidoso em utilizar-se de todos os recursos disponíveis para seguir a sua luta em variadas frentes, especialmente o combate comunicacional através das mídias emergentes, como a internet.

O EZLN, assim, abdica da idéia de tomar o poder realizando um assalto ao aparato de Estado, e reconfigura-se a partir do princípio da produção e organização da autonomia popular indígena, e assim, construir “um mundo onde caibam outros mundos”. A resistência assume a dianteira frente à ofensiva. O exército zapatista se converte em grupo armado de autodefesa, protegendo as comunidades indígenas e campesinas chiapanecas. A dimensão étnica ganha novos contornos e auxilia no reagrupamento das estratégias de luta dos zapatistas.

A condução da “ciberguerrilha”, e a boa interlocução com a sociedade civil nacional e internacional ajudaram o EZLN a negociar com o governo em 1995 uma lei de anistia, que conferiu aos zapatistas o estatuto de cidadãos rebeldes, ao lugar de subversivos insurgentes, ao mesmo tempo que garantia um espaço de diálogo com membros do governo para negociar as condições da paz em Chiapas, como os conhecidos Diálogos de San Cristobal e os Diálogos de San Andrés. Aqui os zapatistas puderam fazer uso da palavra e apresentar formalmente ao governo mexicano e a sociedade civil suas principais demandas: a modificação das alterações feitas no artigo 27 da constituição, criação de mecanismos de controle popular sobre os recursos naturais, a realização de reformas legais e constitucionais visando ampliar a participação e a representação política local e nacional dos povos indígenas, a conformando um novo federalismo, a garantia do acesso pleno dos povos indígenas aos instrumentos jurídicos do Estado, e sua utilização levando em conta as suas especificidades culturais e seus sistemas normativos internos. O cerne do problema foi que o governo, reconhecendo publicamente a justeza da causa zapatista e subescrevendo a necessidade de implementação de suas reivindicações, jamais cumpriu os acordos.

A traição por parte do governo levou os rebeldes a firmarem-se contundentemente na estratégia da resistência, agora mais legitimada ainda pelo reconhecimento estatal da causa indígena e camponesa. A luta pela autonomia se constituiu, portanto, na mais imediata tarefa do EZLN, com a transformação do espaço insurgente em território liberado. Com o levante, os rebeldes haviam tomado controle de uma parte substantiva do território chiapaneco, quase metade de sua extensão, proclamando o nascimento dos seus 38 municípios autônomos rebeldes zapatistas (os MAREZ, como passaram a ser conhecidos). E foi precisamente ali, no interior dos Marez, o laboratório de experiência zapatista do seu projeto de autonomia: a condução do autogoverno.

O autogoverno representa a mais livre e manifesta concretização das aspirações de autodeterminação procurada pelos povos indígenas chiapanecos, articulada e re-semantizada ao lado do que há de mais moderno e liberatório nos projetos republicanos de democracia radical. Em outras palavras, as vicissitudes e particularidades da luta política revolucionária no México levaram os zapatistas, mediante a necessidade de resistência, a construção das condições de possibilidade para a realização do seu projeto de emancipação de imediato, e ainda que lançando as bases para alguma movimentação muito maior e mais ousada, estão colocando a utopia a prova: nem os falanstérios de Fourier, muito menos a Comuna de Paris, chegou a cruzar o período de uma década!

É claro que as dificuldades e os obstáculos se avolumam com o tempo. Se o governo reconhece a legitimidade da causa zapatista, por um lado, por outro prossegue enviando grandes contingentes de militares para o estado de Chiapas e aprisionando arbitrariamente lideranças populares, além de armar grupos paramilitares com o intuito de minar as forças zapatistas. Assim, a chamada “guerra de baixa intensidade” está em curso em Chiapas.