Escuta, Zé Mané! é uma livre releitura das idéias de Wilhelm Reich por Paulo César Peréio, incorporando-as à sua própria personalidade e reafirmando seu potencial como ator performer, numa simbiose cultural das mais afinadas entre autor e ator. Em um tom de comédia política, a peça é um esporro no sociedade contemporânea, onde as fundamentações históricas são contextualizadas a episódios e realidades nacional e local, trazendo a tona problematizações que permeiam o individuo, a sociedade, a política e a sexualidade. Evidente que todos esses aspectos se articulam e se interpenetram no texto. O tom agudo no sarcasmo faz muitas vezes os expectadores menos atentos acreditarem que se trata de uma superficial e cômica banalização de episódios cotidianos. Para os defensores da cartilha marxista da revolução as reflexões podem ser válidas, caso superem a cegueira dogmática. Evidente que Reich não deposita toda culpa nem toda solução no indivíduo, mas a peça é sem dúvida um grande puxão de orelhas em todo indivíduo que de uma forma ou de outra se tornam reféns e submissos aos ditamos de um grupo ou outro, seja ele de direita ou de esquerda. Wilhelm Reich (1897-1957) era psiquiatra, escritor e filósofo, austríaco, foi discípulo de Freud e membro da Sociedade Psicanalítica. Suas idéias revolucionárias causaram muita polemica. Reich buscava a compreensão da natureza humana por meio das funções sexuais. Ele acreditava que a energia sexual, em sua versão reprimida, geraria uma espécie de couraça que impossibilitava a expressão direta da espontaneidade. Desta forma, essa condição passava a ser geradora de sintomas neuróticos, como fobias, angústias, depressão, ansiedade, incompetências e impotência criativa, sexual e afetiva. Reich pregava a transformação revolucionária da política do cotidiano como sendo o grande instrumento de luta. Acreditava que quando cada pessoa consciente assumisse, no dia a dia, a responsabilidade e a ação em defesa do seu ser biológico e natural, é que os ideais libertários poderiam tornar-se realidade.
A inquietação, o questionamento e a vontade de mudar o estabelecido são as energias motrizes bem pautadas na peça e que articulam todo o texto. Os atores se alternam no texto e interagem com o público, criando uma esfera bem favorável, muito em função do viés do humor, de reflexões por parte das pessoas em torno das questões levantadas.
Como e quanto somos machistas, homofóbicos, individualistas, submissos aos ditames de algo ou alguém intocável? Todas essas questões perpassam pela peça, fazendo com que os expectadores reflitam em torno de sua postura diante de tais circunstancias. A dimensão espacial e o jogo de luzes que proporcionava uma profundidade do palco, dando uma nítida impressão que estávamos nós falando com nossa própria consciência, mas que a muito não o fazemos. Do figurino a atitude dos atores, chocar o que é tido como natural é a força motriz para fazer o indivíduo sair da sua pobre comodidade comprada ao preço de sua própria existência.
De todo modo o que nos mais chama a atenção é o fato de que a mudança da sociedade não está somente vinculada ao fator econômico, e que certamente o conhecimento de si mesmo e das suas potencialidades e possibilidades é sem dúvida nenhuma uma força motriz para a contestação da realidade e a ação direta para sua superação.
Espero que essa peça possa se espalhar por todo país, levando a mais e mais pessoas essas reflexões que contribuam para sua auto-libertação e conseqüente emancipação.
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