Sobre o LAPA

O LAPA (Laboratório de Estudos e Práticas da Autogestão), muito modestamente, se propõe como um pequeno círculo de amigo(a)s e camaradas que possuem vínculos, afinidades, afetos e interesses em comum em torno do tema da auto-organização popular, talvez, como uma via possível para a emancipação de todos os subalternos e trabalhadores. Assim, é uma aposta simultânea na amizade e na revolução.

Por hora, o LAPA não se constitui como um coletivo, uma entidade ou uma organização, ainda que em potecial possa vir a ser isso ou outras coisas que nem sequer imaginamos. Como círculo, temos vínculos que nos unem para além do espaço que nos separa. Os estudos e ações que compartilharemos como círculo pode inclusive dar fôlego e alento para a formação e/ou consolidação de iniciativas coletivas e/ou individuais, nos mais distintos lugares onde nos situamos como vizinhos, estudantes, trabalhadores, etc.

A idéia de Laboratório, até agora sugerida, nasce como uma metáfora que se orienta pela dimensão experimentalista que carrega todo laboratório – e isso nos interessa particularmente, experimentar idéias e práticas, aprender e se apropriar do melhor dos processos políticos e sociais dos mais diversos movimentos de liberação que se levantaram contra todas as ordens e esquemas de dominação (inclusive os de esquerda). E mais: nosso laboratório é de bolso, se materializa e desmaterializa segundo determinadas condições ambientais e temperamentais, e talvez seremos muito mais tomados e possuídos pelas experiências do que a dissecaremos e a controlaremos, ao contrário do que ocorre com os homens-de-guarda-pó.

E se nos lançaremos a estudar e praticar a autogestão é porque ela todavia nos parece ser a melhor forma encontrada pelos dominados até hoje para que a terra, os meios de produção, o trabalho e a política (com ou sem o Estado) não se converta em monopólio e privilégio de uns poucos, e logo, instrumento de dominação, opressão e submissão de classe, casta, grupos ou camarilhas. E para isso é importante que nos alimentemos das teorias e narrativas que fundaram a autogestão como um princípio político, e que transcende, aliás, muitos projetos políticos ou ideologias (como o anarquismo e o comunismo); e ao mesmo tempo buscar compreender os caminhos e as vicissitudes das experiências de autogestão que tiveram curso, especialmente, na história moderna.



quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Escuta, Zé Mané!


“Te chamam homem comum, homem médio, homenzinho...” assim começa o texto escrito por Paulo César Peréio, para a peça Escuta, Zé Mané! a partir do texto de Wilhelm Reich no livro Escuta, Zé ninguém! A peça tem a participação de Paulo César Peréio, João Velho e Neca Zarvos, com produção executiva de Lara Velho e a cuidadosa direção de Lenerson Polonini. Com sua temporada encerrada no Rio de Janeiro, possivelmente irá pousar nas montanhas de minas em Belo Horizonte.
Escuta, Zé Mané! é uma livre releitura das idéias de Wilhelm Reich por Paulo César Peréio, incorporando-as à sua própria personalidade e reafirmando seu potencial como ator performer, numa simbiose cultural das mais afinadas entre autor e ator. Em um tom de comédia política, a peça é um esporro no sociedade contemporânea, onde as fundamentações históricas são contextualizadas a episódios e realidades nacional e local, trazendo a tona problematizações que permeiam o individuo, a sociedade, a política e a sexualidade. Evidente que todos esses aspectos se articulam e se interpenetram no texto. O tom agudo no sarcasmo faz muitas vezes os expectadores menos atentos acreditarem que se trata de uma superficial e cômica banalização de episódios cotidianos. Para os defensores da cartilha marxista da revolução as reflexões podem ser válidas, caso superem a cegueira dogmática. Evidente que Reich não deposita toda culpa nem toda solução no indivíduo, mas a peça é sem dúvida um grande puxão de orelhas em todo indivíduo que de uma forma ou de outra se tornam reféns e submissos aos ditamos de um grupo ou outro, seja ele de direita ou de esquerda. Wilhelm Reich (1897-1957) era psiquiatra, escritor e filósofo, austríaco, foi discípulo de Freud e membro da Sociedade Psicanalítica. Suas idéias revolucionárias causaram muita polemica. Reich buscava a compreensão da natureza humana por meio das funções sexuais. Ele acreditava que a energia sexual, em sua versão reprimida, geraria uma espécie de couraça que impossibilitava a expressão direta da espontaneidade. Desta forma, essa condição passava a ser geradora de sintomas neuróticos, como fobias, angústias, depressão, ansiedade, incompetências e impotência criativa, sexual e afetiva. Reich pregava a transformação revolucionária da política do cotidiano como sendo o grande instrumento de luta. Acreditava que quando cada pessoa consciente assumisse, no dia a dia, a responsabilidade e a ação em defesa do seu ser biológico e natural, é que os ideais libertários poderiam tornar-se realidade.
A inquietação, o questionamento e a vontade de mudar o estabelecido são as energias motrizes bem pautadas na peça e que articulam todo o texto. Os atores se alternam no texto e interagem com o público, criando uma esfera bem favorável, muito em função do viés do humor, de reflexões por parte das pessoas em torno das questões levantadas.
Como e quanto somos machistas, homofóbicos, individualistas, submissos aos ditames de algo ou alguém intocável? Todas essas questões perpassam pela peça, fazendo com que os expectadores reflitam em torno de sua postura diante de tais circunstancias. A dimensão espacial e o jogo de luzes que proporcionava uma profundidade do palco, dando uma nítida impressão que estávamos nós falando com nossa própria consciência, mas que a muito não o fazemos. Do figurino a atitude dos atores, chocar o que é tido como natural é a força motriz para fazer o indivíduo sair da sua pobre comodidade comprada ao preço de sua própria existência.
De todo modo o que nos mais chama a atenção é o fato de que a mudança da sociedade não está somente vinculada ao fator econômico, e que certamente o conhecimento de si mesmo e das suas potencialidades e possibilidades é sem dúvida nenhuma uma força motriz para a contestação da realidade e a ação direta para sua superação.
Espero que essa peça possa se espalhar por todo país, levando a mais e mais pessoas essas reflexões que contribuam para sua auto-libertação e conseqüente emancipação.

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