Sobre o LAPA

O LAPA (Laboratório de Estudos e Práticas da Autogestão), muito modestamente, se propõe como um pequeno círculo de amigo(a)s e camaradas que possuem vínculos, afinidades, afetos e interesses em comum em torno do tema da auto-organização popular, talvez, como uma via possível para a emancipação de todos os subalternos e trabalhadores. Assim, é uma aposta simultânea na amizade e na revolução.

Por hora, o LAPA não se constitui como um coletivo, uma entidade ou uma organização, ainda que em potecial possa vir a ser isso ou outras coisas que nem sequer imaginamos. Como círculo, temos vínculos que nos unem para além do espaço que nos separa. Os estudos e ações que compartilharemos como círculo pode inclusive dar fôlego e alento para a formação e/ou consolidação de iniciativas coletivas e/ou individuais, nos mais distintos lugares onde nos situamos como vizinhos, estudantes, trabalhadores, etc.

A idéia de Laboratório, até agora sugerida, nasce como uma metáfora que se orienta pela dimensão experimentalista que carrega todo laboratório – e isso nos interessa particularmente, experimentar idéias e práticas, aprender e se apropriar do melhor dos processos políticos e sociais dos mais diversos movimentos de liberação que se levantaram contra todas as ordens e esquemas de dominação (inclusive os de esquerda). E mais: nosso laboratório é de bolso, se materializa e desmaterializa segundo determinadas condições ambientais e temperamentais, e talvez seremos muito mais tomados e possuídos pelas experiências do que a dissecaremos e a controlaremos, ao contrário do que ocorre com os homens-de-guarda-pó.

E se nos lançaremos a estudar e praticar a autogestão é porque ela todavia nos parece ser a melhor forma encontrada pelos dominados até hoje para que a terra, os meios de produção, o trabalho e a política (com ou sem o Estado) não se converta em monopólio e privilégio de uns poucos, e logo, instrumento de dominação, opressão e submissão de classe, casta, grupos ou camarilhas. E para isso é importante que nos alimentemos das teorias e narrativas que fundaram a autogestão como um princípio político, e que transcende, aliás, muitos projetos políticos ou ideologias (como o anarquismo e o comunismo); e ao mesmo tempo buscar compreender os caminhos e as vicissitudes das experiências de autogestão que tiveram curso, especialmente, na história moderna.



terça-feira, 13 de abril de 2010

Chuvas no Rio: nem tudo vale a pena




“...o que se espera como resultado do aumento da temperatura média do
planeta, em um futuro cada vez mais presente, são exatamente temporais muito
mais intensos, em duração e amplitude. O mar, além de mais aquecido, estará
em um nível superior ao de hoje, dificultando o escoamento, tanto das águas
pluviais, como dos esgotos, pelo envelhecido sistema de escoamento das
cidades. Ao invés de investir na adaptação do Rio de Janeiro aos problemas
que afligirão a cidade daqui a algumas décadas, as autoridades de todos os
níveis preferem alocar recursos em PACs cosméticos...”



Por Paulo Piramba





Os números realmente impressionam. Em menos de 12 horas choveu na cidade do
Rio de Janeiro, e em parte de sua Região Metropolitana, o equivalente a dois
meses de chuva. Uma média de 270mm, enquanto o índice normal para o mês de
abril é de 140mm. Até o momento em que escrevo, já foram confirmadas pelo
menos 95 mortes.



A causa mais imediata para esse extremo climático de gigantesca proporção é
a combinação de uma frente fria, com o contraste entre o ar polar e o ar
quente tropical, aliado à temperatura do mar, 2ºC mais quente do que o
normal. Além disso, a maré alta contribuiu para que o alagamento das áreas
urbanas do Rio, já muito impermeabilizadas, não escoasse.



Além do triste saldo de mortes, quase todas provocadas por deslizamentos de
encostas, o caos se instalou na cidade. O alagamento das vias impediu a
passagem dos veículos, fazendo com que milhares de pessoas não chegassem em
casa. Muitos dormiram na rua essa noite. Nessa terça-feira, a cidade vive um
feriado forçado, já que escolas, universidades e poder judiciário
suspenderam suas atividades. Mas muitos bancos, lojas e escritórios de
grandes e pequenas empresas também não funcionam, já que seus empregados e
clientes não têm como se locomover. As já normalmente ineficientes empresas
privadas de fornecimento de energia contabilizam milhares de casas sem luz
desde a noite de segunda.



O prefeito do Rio coloca a culpa do colapso da cidade “nas fortes chuvas, na
maré alta, na ocupação irregular das encostas e nas pessoas que insistem em
morar nelas”. Não deixa de alfinetar os “demagogos de plantão” que, segundo
ele, “criticam os reassentamentos de moradores de áreas de risco”. E ainda
dá “nota zero para o preparo da cidade para o temporal”.



Em meio a todo o oba-oba da realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no
Rio de Janeiro, os ambientalistas mais críticos – que responsabilizam a
sociedade do consumismo e as suas relações com o meio ambiente, pela
escalada do aquecimento global – insistem que, ao invés de obras de fachada,
fossem incluídas na preparação destes eventos intervenções que começassem a
preparar a cidade para os efeitos que, certamente, as mudanças climáticas
provocarão.



Senão vejamos, o que se espera como resultado do aumento da temperatura
média do planeta, em um futuro cada vez mais presente, são exatamente
temporais muito mais intensos, em duração e amplitude. O mar, além de mais
aquecido, estará em um nível superior ao de hoje, dificultando o escoamento,
tanto das águas pluviais, como dos esgotos, pelo envelhecido sistema de
escoamento das cidades.



Ao invés de investir na adaptação do Rio de Janeiro aos problemas que
afligirão a cidade daqui a algumas décadas, as autoridades de todos os
níveis preferem alocar recursos em PACs cosméticos, que não vão alterar as
precárias condições de habitação da população mais pobre da cidade. Em
intervenções desastradas no ineficiente sistema de transporte público, como
a linha 1A do Metrô. Ou então transferindo a culpa para a natureza ou, o que
é mais revoltante, para as próprias pessoas que moram em locais em
permanente risco e precarização ambiental.



Em décadas de militância nunca vi nenhum morador dessas áreas afirmar que
gosta de morar ali onde está. Nunca vi ninguém expor, por opção própria, sua
família a uma vida sem água, sem esgoto, sem moradia digna e em permanente
risco. O que vi, e continuo vendo, são milhões de pessoas obrigadas a ocupar
estes territórios, por força de uma política econômica que achata salários e
precariza empregos.



São não-cidadãos colocados à margem da sociedade, invisíveis e tratados como
peças de reposição das engrenagens do mercado, para serem usados se e quando
necessário. Pessoas confinadas em guetos, onde o Estado só se faz presente
através da repressão policial, sem saúde e educação. E que, ao invés de
serem alvo de políticas habitacionais que lhes permitam conseguir uma
habitação digna, são alocadas e realocadas de acordo com a vontade da
especulação imobiliária. As casas do PAC racharam com a primeira chuva.
Substituir uma precariedade por outra, não é solução do problema. É troca de
cativeiro.



As autoridades do Rio, além de criminalizarem a pobreza, também vêm
responsabilizando os moradores de comunidades pela degradação ambiental da
cidade. No Rio, muros de confinamento têm sido erguidos sob o álibi de
impedirem que os moradores desmatem as encostas. Mas qualquer levantamento
por satélite mostra que são os condomínios e mansões que estão ocupando as
encostas acima da cota 100, destruindo a Mata Atlântica.



O real objetivo é “limpar” o Rio para que se transforme cada vez mais numa
cidade-espetáculo para os ricos, palco de grandes eventos, como desejam hoje
autoridades e empresários. Não é mais suficiente condenar milhões à
invisibilidade do não-acesso à sociedade do consumo. É necessário varrê-los
para baixo do tapete, escondê-los fisicamente com os tapumes da Linha
Vermelha, expulsá-los para o mais longe possível, para que as áreas onde
eles hoje estão sejam “revitalizadas”, como se lá nessas comunidades não
houvesse vida.



Ao longo da história, as cidades vêm perdendo sua referência territorial por
conta e obra das exigências dos mercados. Ocupar áreas de mangue aterradas
ou de várzea, e depois lamentar as inundações tornou-se freqüente.
Incentivar o consumo desenfreado, e depois não saber onde colocar o lixo,
também. Permitir que as indústrias utilizem e poluam a maior parte da água
potável, e depois sofrer com a sua escassez vai se tornando uma norma.



Vivemos em um planeta à beira de uma ameaça que pode colocar em risco a
sobrevivência das espécies, entre elas, a humana. O sistema que polui águas,
solos e ar, que vem dilapidando as riquezas naturais e causando uma
devastação ambiental dramática, tem a capacidade de destruir também o
equilíbrio do clima. Tudo isso pela utilização de modos de produzir e
combustíveis que agridem a natureza. Têm valido a pena?



* Paulo Piramba, 55 anos, é membro da Rede Ecossocialista Internacional e do
Instituto Búzios.



Fonte: Agência Petroleira de Notícias



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