Sobre o LAPA

O LAPA (Laboratório de Estudos e Práticas da Autogestão), muito modestamente, se propõe como um pequeno círculo de amigo(a)s e camaradas que possuem vínculos, afinidades, afetos e interesses em comum em torno do tema da auto-organização popular, talvez, como uma via possível para a emancipação de todos os subalternos e trabalhadores. Assim, é uma aposta simultânea na amizade e na revolução.

Por hora, o LAPA não se constitui como um coletivo, uma entidade ou uma organização, ainda que em potecial possa vir a ser isso ou outras coisas que nem sequer imaginamos. Como círculo, temos vínculos que nos unem para além do espaço que nos separa. Os estudos e ações que compartilharemos como círculo pode inclusive dar fôlego e alento para a formação e/ou consolidação de iniciativas coletivas e/ou individuais, nos mais distintos lugares onde nos situamos como vizinhos, estudantes, trabalhadores, etc.

A idéia de Laboratório, até agora sugerida, nasce como uma metáfora que se orienta pela dimensão experimentalista que carrega todo laboratório – e isso nos interessa particularmente, experimentar idéias e práticas, aprender e se apropriar do melhor dos processos políticos e sociais dos mais diversos movimentos de liberação que se levantaram contra todas as ordens e esquemas de dominação (inclusive os de esquerda). E mais: nosso laboratório é de bolso, se materializa e desmaterializa segundo determinadas condições ambientais e temperamentais, e talvez seremos muito mais tomados e possuídos pelas experiências do que a dissecaremos e a controlaremos, ao contrário do que ocorre com os homens-de-guarda-pó.

E se nos lançaremos a estudar e praticar a autogestão é porque ela todavia nos parece ser a melhor forma encontrada pelos dominados até hoje para que a terra, os meios de produção, o trabalho e a política (com ou sem o Estado) não se converta em monopólio e privilégio de uns poucos, e logo, instrumento de dominação, opressão e submissão de classe, casta, grupos ou camarilhas. E para isso é importante que nos alimentemos das teorias e narrativas que fundaram a autogestão como um princípio político, e que transcende, aliás, muitos projetos políticos ou ideologias (como o anarquismo e o comunismo); e ao mesmo tempo buscar compreender os caminhos e as vicissitudes das experiências de autogestão que tiveram curso, especialmente, na história moderna.



segunda-feira, 19 de abril de 2010

Da ignorancia popular e outras ignorancias




Por Cassio Brancaleone


Não é necessário ser um especialista em política para entender que em linguagem corrente e popular, conceitos e categorias forjados à luz da sofisticação ideológica e teórica têm peso quase nulo. O que não significa assinar o atestado de ignorância do povo, mas bem o contrário: assinalar o grau de hermetismo muitas vezes assumido sem ressalvas ou cuidados pela academia e os intelectuais. Por outro lado, isso tão pouco significa que o debate popular é vazio e sem densidade, simplesmente por não utilizar, digamos, a gramática sancionada pelos intelectuais, sem prejuízo da presumida potencialidade da mesma.

Uma consequente antropologia do pensamento popular poderia nos dar mostras da profundidade e extensão de muitas concepções e visões de mundo presentes no meio popular, que justamente por ser anti-sistemática e não possuir um certo tipo de vocalização sacerdotal (ou seja, intelectuais promotores), se manifestam sem o tom lumininoso da legitimidade social. Um tipo de trabalho excepcional sobre o tema foi desenvolvido ao longo dos anos 1950 pelo argentino Rodolfo Kusch, e no Brasil pensadores como Guerreiro Ramos e Darcy Ribeiro chegaram a abrir veredas para a produção do que poderíamos chamar de uma verdadeira filosofia popular e descolonizada.

Claro que, em função das mais diversas dinâmicas de estratificação social e econômica que organizaram as mais distintas formas de sociedades conhecidas, culminando em uma tensão interna a praticamente quase todo tipo de vida social que passou a ser nomeado no Ocidente como “antagonismo de classe”, a produção social, econômica, e mais especialmente, cultural de uma época nunca foi homogênea ou representativa da totalidade do corpo social, sendo, na realidade, definida de forma mais ou menos grosseira, mas não menos verdadeira, pelas configurações históricas particulares da correlação “elite-povo”.

Quando remeto a configuração elite-povo basicamente quero indicar duas coisas: primeiro, a existência de um determinado grupo social que devido a certas vantagens/privilégios político-econômicos se apropria do excedente econômico (riqueza) produzido coletivamente. Segundo, a existência de um corpo político separado da sociedade que exerce delegativamente as prerrogativas da soberania popular, e por isso, se estabelece como autoridade política, ou melhor, “profissionais do poder”. A partir das consequências dessas divisões fundamentais, se manifesta essa divisão empírica e conhecida por nós entre elite e povo.
Os intelectuais e os artistas, como um grupo social distinto no interior dessa polarização social, como teria dito certa vez o sociólogo Pierre Bourdieu, estaria representado como “a fração dominada da classe dominante”. O que quer dizer isso? Que a eles cabe realizar a sistematização conceitual e conferir a legitimidade simbólica aos sistemas de pensamentos/valores vigentes como universais, quando na realidade, não passam da universalização de interesses particulares e específicos de setores dos grupos dominantes.

Um exemplo, aproveitando para fazer conexão com um texto anteriormente publicado aqui. O consumo de automóveis privados. A quem interesse a compra desses artefatos automotivos para uso privado? É possível que todos tenhamos nosso próprio automóvel na garagem, ou que realizemos num mesmo dia e horário um belo passeio de domingo pela praça da cidade? Não. Em oportunidade passada argumentei sobre os perigos sociais e ambientais do consumo de massas dos automóveis privados. E da necessidade de investimento público em formas alternativas e coletivas de transportes. Porque sim, doa a quem doer, o consumo de automóveis privados, convertidos em máximas de liberdade pós-moderna, em suposto fator de conforto e agilidade, interessa às grandes multinacionais que produzem isso a um custo social e ecológico absurdo. E se hoje lotamos as ruas da cidade com eles, é porque existe todo um séquito de lobbistas entre o planalto e o congresso pressionando por mais incentivos fiscais e flexibilização da legislação trabalhista.

Mas o espaço aqui lamentavelmente é curto para desenvolver mais essas idéias. Portanto retomo o fio central desse texto, a tão difundida noção de que o povo é ignorante, seja porque é iletrado, analfabeto, ou mais simplesmente, porque é pobre e pouco urbanizado. Assim, a defesa imediata de uma política massiva de educação da plebe aparece como a mais resoluta das panacéias, defendidas por toda ordem de tecnocratas de plantão (a “elite”, da esquerda à direita). A educação sim, é necessária, mas desarticulada da criação de espaços de participação onde o povo possa criar livremente novas modalidades de produção econômica (para poder trabalhar para si, e não se alienar para outro), e sem sua inserção concreta na vida política, através de mecanismos onde ele possa definir aquelas regras coletivas sobre as quais ele nunca foi mais do que estatística para sofrê-las, será sempre meramente incipiente e cosmética.

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